18 de janeiro de 2007

 

A "mãe" (?) dos "perspectivistas"?




Na continuação do inventário dos “perspectivismos” locais, regionais, nacionais, técnicos e académicos do desenvolvimento regional relembramos hoje o documento “Programa de Desenvolvimento da Região Centro”, editado pela então Comissão de Coordenação da Região Centro, em 1986. Trata-se de uma antiguidade, autêntica relíquia fundacional ( que não é) dos ditos cujos “perspectivismos”. Aliás esse sentido de antiguidade está bem presente na obra. Da capa, ao papel, na tecnologia utilizada na reprodução (o offset), nas formas de representação gráfica, etc. Tudo nos indícia a passagem do tempo nesta edição. Vinte anos! Interessa-nos o vol III, dedicado aos programas sub-regionais: do Pinhal, da Raia e da Serra da Estrela. Eram então estas as designações da compartimentação do território. Ora o que mais nos impressionou durante a sua leitura foi a actualidade de algumas das suas conclusões e propostas. É claro que muita coisa mudou para melhor no apelidado interior de Portugal durante estas duas dezenas de anos. Foram os anos do crescimento, do progresso ao virar da esquina, daquela perniciosa coisa do “a fundo perdido”. Entretanto a tecnocracia dos “perspectivistas” e a tecnicidade autárquica , vulgo o pessoal das câmaras recrutado nas ‘fidelidades’ partidárias foi engordando... E agora, face à realidade dura e crua é ouvi-los dizer: “Eu cá não fui. A culpa é do País que temos e do sistema. Pois, pois da prima! Ainda relativamente ao documento. Nessa época a Raia, como território de análise, englobava 11 concelhos de Meda a Vila Velha de Ródão, incluindo Guarda e Castelo Branco. Escrevia-se: «As causas desta desertificação reportam-se à existência de uma estrutura produtiva ineficaz onde a interioridade da área e a sua consequente má acessibilidade ao todo nacional são o principal bloqueio ao desenvolvimento, à inovação, à captação do investimento, e à existência paralela de elevados índices de carências sociais que, no seu conjunto, não permitem atingir os padrões mínimos de qualidade de vida de uma população”. Construíram-se as estradas. Melhoram-se as condições sociais. Em final do século XX tínhamos, por fim, direito, a água canalizada, a luz e em saber que os nossos dejectos iam por um tubo até à ribeira mais próxima. Cada vez que havia um «melhoramento” lá vinha alguém de Lisboa ou de Coimbra a descerrar a lápide. O Poder inscreve-se sempre em primeiro lugar. O senhor Presidente da Câmara vinha sempre em segundo. Que isto das hierarquias é para levar a sério quando há cacau em jogo. Mas que felicidade. Que felicidade! O respeito e o agradecimento pela dádiva que os senhores presidentes das câmaras com tanto trabalho, carinho e visão tinham tido em encher as nossas aldeias de polidesportivos e de zonas industriais, expressavam-se sempre por ocasião das eleições Tudo claro. Tudo em e a favor do Progresso. Já éramos europeus. Em 1981 viviam no concelho de Idanha-a-Nova 16 101 pessoas. E hoje? Esta é que é uma das realidades, tão bem analisadas pelo Professor Doutor João Ferreira de Almeida, pelo Professor Doutor Rui Canário, pelo Professor Doutor José Reis, entre outros que escrevem na “bíblia” do desenvolvimento do amigo Aquiles, que os “perspectivistas” da tanga não querem assumir!

Na obra mandada editar Sua Excelência o Senhor Dr. Jorge Sampaio, então Presidente da República de Portugal, gostamos particularmente do texto do senhor Doutor João Ferrão: “Reconstruir o Interior destruindo a Interioridade: para uma estratégia activa de inclusão de actores”. Como actualmente é Secretário de Estado pode começar já a reconstruir....


Comments:
Também podiam fazer um inventário comentado dos roteiros turisticos editados nessa região?
 
Felicitações pela visão acutilante do problema. Quanto à reconstrução...bem, vamos ver...esperando...
 
Estou e sempre estive convencido, que se nao houver ideias para criar trabalhos (nao digo empregos!) por mais condicoes de vida que haja no interior e, em muitas areas estamos melhor que muitas localidades do litoral, as pessoas continuaram a deslocar-se daqui.
Tambem creio que se em vez de obras de fachada os municipios de dedicassem de facto a desenvolver, os seus municipios muita gente nao teria necessidade de sair do interior!

Um abraco fornense.
 
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Caro Joaquim

Tenho acompanhado com algum cuidado esta questão do perspectivismo. Relativamente a este último texto, dou-lhe os merecidos parabéns pelo belissímo texto que apresenta, claro, sintético e objectivo. Quanto à questão, em si mesma, estou em perfeita sintonia consigo em relação a alguns topicos,no entanto, não concordo com outros, vejamos:

1.Todavia, nem tudo ficou estagnado, nem tudo está como estava, talvez se tenha perspectivado tudo demasiado depressa, à escala da urbanidade. Porém, o nivel de vida foi melhorando paulatinamente, embora algo desarticulado com a realidade vivida em contextos rurais.
2.É preciso não esquecer todos os condicionalismos geograficos, históricos, ideologicos e culturais daquilo que para muitos se chama "interioridade".
3. As sociedades humanas têm os seus próprios ciclos de mudança, é necessário compreender, analisar e estudar aquilo que se transforma. Só assim se pode perspectivar um futuro sustentado. Para lhe dar um exemplo: fala-se hoje em perspectivar as comunidades rurais, a ruralidade, as aldeias rurais, será que ainda existe esta ruralidade? o que é uma aldeia hoje?
Proponho o seguinte exercicio:
observe com atenção as paisagens que atravessa ao deslocar-se entre Idanha-a-Velha e Idanha-a-Nova, depois visite a sua memória e compare-as.

um abraço
 
Caro Eddy
As mudanças e as realidades do nosso mundo rural vão ser objecto de posts futuros. Se quiseres colaborar terei imenso gosto em contar contigo

Abraço

Joaquim
 
É bom olharmos para essas "relíquias", para percebermos até que ponto esta forma de funcionar está entranhada.
É de senso comum afirmar que há um atraso estrutural em Portugal. A diferença aparece no número de anos, para alguns são 30, para outros, 20 e há quem avance mesmo com 50. Cada vez mais me convenço que é um exercício inútil. Se me parece que a A23 chegou com uns 15 anos de atraso, no mínimo, o caos urbanistico chegou a tempo e horas para destruir qualquer hipótese de num tempo próximo a maior parte das cidades se parecerem com qualquer coisa decente e aí não tenho dúvidas sobre qual é o principal problema:
Falta de qualidade do sistema político e de coluna vertebral dos seus representantes, associadas a uma enorme falta de CULTURA em letras garrafais dos portugueses.
Somos uns brutos e, ainda por cima, parece que gostamos de o ser.

Peço desculpa pela generalização, obviamente injusta.
 
É bom olharmos para essas "relíquias", para percebermos até que ponto esta forma de funcionar está entranhada.
É de senso comum afirmar que há um atraso estrutural em Portugal. A diferença aparece no número de anos, para alguns são 30, para outros, 20 e há quem avance mesmo com 50. Cada vez mais me convenço que é um exercício inútil. Se me parece que a A23 chegou com uns 15 anos de atraso, no mínimo, o caos urbanistico chegou a tempo e horas para destruir qualquer hipótese de num tempo próximo a maior parte das cidades se parecerem com qualquer coisa decente e aí não tenho dúvidas sobre qual é o principal problema:
Falta de qualidade do sistema político e de coluna vertebral dos seus representantes, associadas a uma enorme falta de CULTURA em letras garrafais dos portugueses.
Somos uns brutos e, ainda por cima, parece que gostamos de o ser.

Peço desculpa pela generalização, obviamente injusta.
 
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